STJ decide que não é preciso restrição à liberdade para caracterizar trabalho análogo à escravidão, bastando condições degradantes. Entenda os impactos.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que, para a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, não é necessária a restrição da liberdade de ir e vir dos trabalhadores. A decisão foi tomada ao julgar recurso do Ministério Público Federal contra absolvição dos responsáveis por uma fazenda localizada nas zonas rurais de Correntina e São Desidério (BA), onde, em 2008, fiscais do Ministério do Trabalho encontraram 13 trabalhadores submetidos a situações de extrema precariedade.
O relatório da fiscalização revelou que os trabalhadores estavam alojados em condições insalubres, dormindo em um ônibus velho ou em um barraco de plástico preto, sem piso e energia elétrica. A água disponível era armazenada em um caminhão pipa enferrujado, exposto ao sol, e consumida sem tratamento. Não havia banheiros ou local adequado para o banho, e as refeições eram preparadas em fogão improvisado no chão, ao lado do ônibus.
Apesar do reconhecimento da precariedade das condições e da violação dos direitos trabalhistas, a Justiça de primeiro grau e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) absolveram os acusados, ao entender que não houve privação da liberdade de locomoção dos empregados.
Ao analisar o recurso, o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso no STJ, destacou que o artigo 149 do Código Penal prevê o crime de redução à condição análoga à de escravo em tipo misto alternativo, ou seja, basta que a conduta se enquadre em qualquer uma das hipóteses: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição da liberdade de locomoção. Para o ministro, as evidências do processo demonstram a submissão dos trabalhadores a condições degradantes, o que é suficiente para caracterizar o delito, conforme a jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O relator ressaltou que o acórdão do TRF1 aplicou de forma equivocada o artigo 149 do Código Penal ao exigir cerceamento da liberdade de ir e vir, em desacordo com o entendimento consolidado dos tribunais superiores. Ele afirmou ainda que os acusados tinham pleno conhecimento das condições a que submetiam os trabalhadores, que se encontravam em situação de extrema vulnerabilidade social e foram aliciados em contexto de miserabilidade, com o objetivo de reduzir custos da atividade empresarial.
Com essa decisão do STJ, fica reafirmado que a caracterização do trabalho análogo ao de escravo prescinde da restrição à liberdade de locomoção, bastando a constatação de condições degradantes, entre outros elementos previstos em lei.